(*) Wan Yu Chih, janeiro de 2025.
Introdução
Quando comecei a trabalhar na Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) em 1980, o cenário do transporte público em São Paulo era desafiador. O planejamento operacional resumia-se a elaborar a "oscilação da frota" — ou seja, quantos ônibus deveriam circular em diferentes faixas horárias e definir os horários de saída das garagens. Na prática, a gestão dos horários e das operações dependia do trabalho manual dos fiscais, que enfrentavam dificuldades enormes, especialmente pela falta de comunicação eficaz entre os extremos das linhas. Intervalos de partida, rendições de motoristas, pausas para descanso e recolhidas às garagens eram determinados empiricamente, com pouca previsibilidade ou controle.
Era clara a necessidade de uma solução mais eficiente. Havia um campo enorme para melhorar não apenas a utilização da frota e dos motoristas, mas também para aumentar a regularidade dos horários e a satisfação dos usuários.
A CMTC: Um Cenário de Crescimento e Desafios
A CMTC era a maior empresa de transporte público do Brasil. Além de operar uma frota própria, gerenciava diretamente todos os ônibus que circulavam em São Paulo. Nas décadas de 1970 e 1980, a cidade enfrentava uma explosão demográfica e uma expansão desordenada de áreas periféricas. Isso levou a uma crescente demanda por transporte, pressionando a empresa a buscar soluções inovadoras.
Nos anos 1980, sob a liderança de Adriano Murgel Branco, a CMTC deu início à implantação de um revolucionário sistema de corredores exclusivos para trólebus, buscando melhorar a eficiência e a velocidade do transporte público em São Paulo. Francisco Christovam era o superintendente e desempenhou um papel fundamental no gerenciamento do projeto, e posteriormente da operação.
Esses corredores priorizavam os trólebus, que devido à sua operação elétrica, vibravam pouco e eram mais silenciosos que os ônibus movidos a diesel. Essa iniciativa também refletia uma estratégia para reduzir a dependência de combustíveis fósseis e diminuir a poluição do ar. Os corredores representaram uma mudança significativa no transporte coletivo, promovendo maior regularidade nos horários, diminuição do tempo de viagem e maior capacidade de atender a uma população em rápido crescimento.
Foi nesse contexto que fui contratado, por indicação do professor Marco Antonio Brinati, do Departamento de Engenharia Naval da USP, ao engenheiro Pedro Kassab, da CMTC.
A Inspiração: O Sistema da RATP
Assim que iniciei na empresa, o engenheiro Christiano Branco me mostrou uma foto do sistema utilizado pela RATP, a empresa de transporte público de Paris. Era um dispositivo rudimentar porém inovador na época: uma caixa de madeira contendo um rolo de papel milimetrado, onde havia um quadro de marcha dos ônibus, acionado por manivelas. Embora engenhoso, o sistema tinha limitações práticas, especialmente em linhas de alta frequência.
Minha missão era criar algo mais ágil e eficaz, adaptado às necessidades da CMTC. Durante meses, trabalhei incessantemente em pilhas de papel milimetrado, usando régua, lápis e borracha para ajustar a técnica. O resultado foi um tipo de gráfico que combinava o quadro de marcha com elementos do gráfico de Gantt, representando os deslocamentos e intervalos de forma clara e objetiva. O método foi apelidado como "linguiça", pelos meus colegas, devido ao formato do gráfico.
Primeira Implantação: O Sistema de Trólebus
A primeira aplicação prática da técnica ocorreu na linha 3160 Vila Prudente–Parque Dom Pedro. Acompanhei os fiscais por dias, dia e noite, validando cada etapa do processo. A implantação foi um sucesso: os horários passaram a ser cumpridos com regularidade, os motoristas estavam mais organizados e satisfeitos com a previsibilidade da sua rotina de trabalho. Esse triunfo foi o ponto de partida para a expansão do método para outras linhas de trólebus e, posteriormente, para o sistema diesel, que representava um desafio ainda maior por sua dimensão e complexidade.
O Desafio do Sistema Diesel
O sistema diesel da CMTC envolvia 11 garagens e 2 mil ônibus.
A implantação começou na garagem Catumbi, a maior delas, que tinha como chefe de garagem, o engenheiro chileno apelidado de Miguelito, que nos desafiou a implementar a programação na linha 2340 Cidade Tiradentes–Anhangabaú — a maior da cidade.
Enfrentamos resistências, principalmente de motoristas e fiscais mais antigos. Com o apoio do fiscal Paulinho, da Catumbi, passamos a semana inteira acompanhando a movimentação dos ônibus, desde o primeiro horário do dia, ajustando a programação, e educando a equipe. Mais uma vez, o método mostrou-se eficaz, consolidando a credibilidade da técnica e permitindo sua disseminação.
Expandindo e Quebrando Resistências
Para quebrar a rejeição, preparamos uma longa lista de ações de conscientização e convencimento. Modernização, eficiência e orgulho no que fazemos foram os pilares do discurso. Afinal, éramos a maior empresa de ônibus do Brasil e do continente.
Primeiro treinamos os novos programadores; uma equipe de 11 técnicos, um de cada garagem. Treinamos também a primeira turma de fiscais e falamos diretamente com os motoristas. Em seguida, o setor de Recursos Humanos assumiu o processo, garantindo que a mensagem fosse disseminada de forma ampla e consistente.
O Papel da Tecnologia de Informação
No início dos anos 1980, o acesso à tecnologia de informação era limitado. Graças à Prodam, empresa de processamento de dados do município, utilizamos um mainframe da IBM para automatizar a impressão das tabelas horárias que eram distribuídas ao pessoal. Embora rudimentar, essa experiência plantou a semente de um sonho: criar um software automatizado para confecção da programação horária de ônibus.
Disseminando o Legado
Após a minha saida da empresa, a CMTC continuou utilizando a técnica, e os 10 mil ônibus da cidade passaram a ter seus horários programados. A equipe de planejamento liderada pelo Paulinho da Catumbi cresceu para 40 programadores, consolidando o método como padrão.
Reflexões e Inspiração
Anos depois, com a popularização da informática e das planilhas eletrônicas, o processo de planejamento da programação horária ganhou agilidade e se disseminou pelo Brasil. Minha missão, então, passou a ser desenvolver a tão sonhada solução automatizada de programação horária — missão que se tornou realidade na WPLEX.
Ao longo dessa jornada, aprendi que a combinação de teoria e prática é essencial para a inovação. No primeiro dia na CMTC, encontrei na sala dos engenheiros um papel colado na parede que dizia: “Teoria é quando se sabe tudo, mas nada funciona. Prática é quando tudo funciona, mas ninguém sabe por quê”. Isso resume os desafios que enfrentei no início de carreira. Hoje, ao olhar para trás, vejo como cada obstáculo foi uma oportunidade de aprendizado.
O transporte público continua sendo um pilar das cidades, e a busca por soluções mais inteligentes e sustentáveis continua. Minha experiência na CMTC não foi apenas uma etapa, mas um marco que inspirou inúmeras pessoas no setor. A liderança e a visão de futuro de pessoas como Adriano Branco, Pedro Kassab e Francisco Christovam foram essenciais nessa caminhada. A jornada continua. O futuro é promissor.
(*) O autor é diretor de negócios da WPLEX Software, empresa catarinense que atua há mais de 25 anos no desenvolvimento de soluções inteligentes de otimização de horários e escalas para transporte público.
A WPLEX é uma empresa catarinense líder em soluções inovadoras para a otimização da operação de sistemas de transporte público. Nossas tecnologias abrangem desde a otimização de horários e escalas até o monitoramento de frotas e informação ao passageiro, garantindo uma operação precisa e eficaz.
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