Jornadas de trabalho de operadores de transporte urbano



A avaliação de alternativas de jornadas de trabalho em processos de negociação de acordo coletivo normalmente envolve um alto grau de complexidade, devido à dificuldade de se estimar com a devida precisão o impacto das novas regras sobre os custos da empresa. O ideal seria confeccionar novas programações com as novas regras e comparar o resultado com os das programações existentes. Se a quantidade de alternativas a serem estudadas for grande, este procedimento, além de extremamente trabalhoso, não poderá ser repetido com a frequência e rapidez desejada para avaliar diferentes alternativas que venham a surgir ao longo do processo de negociação, o que poderá levar as empresas a aceitar, sob pressão, acordos de trabalho que, inadvertidamente, possam vir a se tornar bastantes onerosos no dia-a-dia.

Definição do problema

O problema em questão é o de determinar, dentro do contexto atual, jornadas de trabalho que cubram com eficiência os diversos períodos nos diversos dias-tipo da semana. A dificuldade reside em se saber o que fazer com a tripulação - necessária durante os picos - nos demais períodos do dia, sem incorrer em alto custo com esse pessoal. Via de regra, quanto mais restritivo o acordo, mais difícil é obter uma programação que atenda a oferta adequadamente e minimize as horas improdutivas. O mais simples dos acordos seria aquele que não tivesse restrições sobre as horas trabalhadas e todos operadores fossem pagos pelas horas efetivamente trabalhadas nos veículos. Nessa situação existiria uma infinidade de programações possíveis e todas de mesmo custo.

Ressalva

Não se teve a pretensão de relatar de forma totalmente abrangente e atualizada a maioria das práticas existentes no mundo e no País. Nas cidades relatadas a seguir, apresenta-se, ao lado do nome da cidade e entre parênteses, o ano em que o acordo mencionado encontrava-se vigente. As informações apresentadas foram extraídas de artigos, relatórios, correspondências e também, diretamente, através do trabalho junto aos clientes de diversas cidades que utilizam o software WPLEX de programação horária. Procurou-se apresentar as jornadas e características consideradas oficiais, aceitas através de acordo coletivo de trabalho ou acordo interno da empresa, deixando-se de citar as jornadas consideradas como não oficiais, mesmo que utilizadas na prática. Este artigo foi elaborado em 2001, e possivelmente diversos dados levantados na pesquisa não se aplicam mais, contudo, ilustram a variedade de formas de jornadas possíveis, podendo-se considerar como válidas as conclusões do presente trabalho até os dias de hoje..

Reino Unido (1971)

A duração das horas trabalhadas varia de 7 a 10 horas e cada parte (conjunto sequencial de viagens não interrompido por intrajornada ou descanso) não pode exceder ao limite de 5,5 horas, com descanso mínimo de 30 minutos e 8 horas garantidas de remuneração. Quando a extensão é superior a 9,5 horas são acrescidos valores adicionais denominados penalidades ou bônus. Os descansos podem ser remunerados ou não, dependendo da empresa, e adicionalmente pode haver bônus a serem pagos caso o tempo de descanso efetivamente programado ou realizado for maior que o descanso máximo estipulado, ou o contrário, caso o descanso efetivamente programado ou realizado for menor que o mínimo estipulado. Existe uma denominação para cada um dos cinco tipos de jornadas possíveis: as jornadas da manhã (com descanso após pico da manhã), jornadas do meio-dia (com descanso antes do pico da tarde), jornadas da tarde (com descanso após o pico da tarde) e jornadas de dupla-pegada (com intervalo de descanso maior, cobrindo os dois picos do dia). Via de regra, existe limitações na quantidade máxima de jornada de dupla-pegada.

Boston/Estados Unidos (1990)

Existem dois tipos de jornadas: a integral de 8 horas e a parcial (“part time”) de 6 horas. Na jornada integral pode-se ter 1strong5 de hora-extra, com um mínimo garantido de 8 horas de remuneração. A extensão total (intervalo entre encerramento e início da jornada diária) pode variar de 10 a 13 horas. De 10 a 11horas, paga-se hora-extra; de 11 a 13 horas paga-se a hora normal dobrada. A jornada parcial tem no mínimo 2 horas e no máximo 6 horas, com um mínimo garantido de 2 horas remuneradas. O uso de jornadas parciais justifica-se pela alta relação da frota pico/entrepico de 2,57 (752 ônibus no maior pico contra 284 no entrepico). Para se ter uma ideia, Nova Iorque tem um índice de 1,59, São Francisco 1,57, Miami 1,28 e Filadélfia 2,38. Existem dois tipos de jornada: a de 8 horas e a de 12 horas (dupla-pegada), ambas com 8 horas no máximo de trabalho, e 8 horas no mínimo garantidas de remuneração por dia. A hora-extra não é permitida. A jornada de dupla-pegada tem uma extensão máxima de 12 horas e quantidade limitada a 1/6 do total de jornadas, relacionada ao fator de pico/entrepico de 6/5.

Ottawa/Canadá (1999)

Existem três tipos de jornadas: a jornada regular de 8 horas, a jornada de 6 horas e a jornada de sobras. Na jornada regular, tem-se uma garantia de remuneração mínima de 8 horas por dia, a carga de trabalho varia de 7h36 a 8h30 e a extensão máxima é de 12 horas. Os descansos são remunerados se menores de 60 minutos. Acima de 8 horas de trabalho tem-se a incidência de hora-extra. Na jornada de 6 horas, a partes são curtas, e são escolhidas pelos próprios operadores no processo de escalação. A soma das duas partes pode variar de 4,5 horas a 8,5 horas sem limite de extensão, com remuneração mínima garantida de 6 horas por dia. Na jornada de sobras, os operadores da reserva fazem as sobras do processo descrito acima, com remuneração mínima garantida de 6 horas.

Toulose e Lyon/França (1993)

Existem dois tipos de jornadas. A jornada de 6h35 com descanso remunerado menor que 1h30 e a jornada de 8h00 com descanso não remunerado maior que 1h30. Ambas fazem juz à hora-extra acima desse limite. Adicionalmente, quando uma das partes for menor que 2 horas é acrescido um bônus. Há um bônus também quando a extensão varia entre 11 a 12 horas e há um outro bônus adicional quando superior a isso. Há uma lista de limitações por tipo de jornada: um máximo de 15% para extensões maiores que 13h05, máximo de 5% para horas trabalhadas maior que 8h21, máximo de 15% para descanso menor que 2 horas para a jornada de dupla-pegada e máximo de 15% para partes menores que 2 horas.

Viena/Áustria (1993)

Este caso distingue-se por envolver o intervalo de parada nos pontos terminais (não confundir com o tempo de intrajornada), no processo de cálculo da remuneração. Todo intervalo menor ou igual a 6 minutos é remunerado a cada viagem redonda. Se o intervalo for maior, paga-se apenas os 6 minutos. Por outro lado, se o tempo total não remunerado resultante for maior que 8% do tempo total de volante (total dos tempos de viagem), acresce-se um bônus à remuneração total.

São Paulo (2000)

As características da jornada do município de São Paulo, com exceção da duração total da jornada básica (de 8h20 para 6h40, e posteriormente para 7h10), não se alteram há mais de 20 anos. A jornada básica atual é 7h10 por dia, com descanso remunerado de 30 minutos, duração da primeira parte de no máximo 6 horas contínuas, com uma folga semanal, normalmente no sábado ou no domingo, sem compensação diária de horas-extras.

Vitória/Espírito Santo (2000)

Existem duas jornadas: a jornada básica de 7h20 por dia, com descanso não remunerado variando de 30 minutos a 4 horas, com compensação semanal de horas e, a jornada de dupla-pegada, sendo que as duas primeiras horas-extras são pagas com acréscimo de 100% sobre a hora-normal e as demais a 150%, não podendo ser compensadas.

Recife/Pernambuco (2000)

A jornada básica é de 8 horas com descanso de 30 minutos e pratica-se a compensação de horas-extras semanal e mensal.

Rio de Janeiro (2000)

Existem quatro tipos de jornada: a jornada normal de 7 horas por dia, jornada de 7h36 com folga no sábado e domingo, jornada de 8h24 com folga no sábado e domingo e, jornada de dupla-pegada de 8h24 com folga no sábado e domingo, todas sem intrajornada. Algumas empresas praticam a compensação diária de horas-extras.

Curitiba/Paraná (2000)

Existe apenas um tipo de jornada com duração básica de 6 horas, descanso entre 60 minutos a 5 horas (o descanso máximo passou a ser de 3 horas no final de 2000), partes de 0 horas a 6 horas e compensação de horas-extras diária, entre dia útil e sábado ou domingo.

Porto Alegre/Rio Grande do Sul (2001)

Existem até cinco tipos de jornadas (variando por empresa): a de 6 horas, 6h40, 7h00, 7h20 e 8h48. Os descansos variam de 15 minutos a 4 horas. A duração máxima da jornada é de 9h20 para as jornadas de 6 dias trabalhados por semana. No caso da jornada de 8h48, quando escalada para 5 dias trabalhados por semana, a duração máxima passa a ser 10h48.

Intervalo entre viagens

Em São Paulo, o acordo de trabalho estipula uma parada para descanso de no mínimo 5 minutos, entre a chegada e a saída dos veículos nos pontos terminais. É interessante observar que tal procedimento não é generalizado no País. Em Curitiba e Porto Alegre, por exemplo, não há a obrigatoriedade de se conceder essa parada, e ela é dada apenas quando necessária para regulação dos headways (intervalo entre partidas), o que fica a critério da empresa operadora (nestes dois casos, o motorista pode dirigir até um máximo rigorosamente observado de 6 horas contínuas, sem descer do carro).

Compensação de horas-extras

Existe uma clara diferença, sob o ponto de vista de política salarial, entre cidades que praticam ou não a compensação de horas. Nos Estados Unidos (1971), por exemplo, não há a compensação de horas. Os serviços são escolhidos pelos operadores pelo critério de senioridade (tempo de casa) e os salários apurados são diferentes um dos outros. Por outro lado, na Europa, em geral, adota-se a política de se promover rendimentos semelhantes entre os operadores. Assim, os serviços programados são conjugados, dentro de certo período de tempo, de modo a resultar num equilíbrio de ganhos entre todos. No Reino Unido (1971) paga-se como hora-extra apenas o excedente à carga semanal de 40 horas e poucas penalidades são impostas aos serviços programados com características não ideais (jornadas mais longas, por exemplo). Em Curitiba (2000) pratica-se a compensação de horas dentro da mesma semana, ou seja, os serviços de dia-útil são combinados com os serviços de sábado ou domingo, de modo que as horas-extras programadas (ou operadas) sejam compensadas (ou seja, anuladas) pelas horas-ociosas de serviços de menor carga horária. Em Porto Alegre (2001), também se observa a prática da compensação diária, ou semanal, dependendo da empresa operadora, e do acordo existente (que pode variar de empresa para empresa).

Veículos por motorista

No Brasil vemos que invariavelmente o motorista é mantido no mesmo carro ao longo do seu dia de trabalho. Contudo, observa-se, via de regra, que no hemisfério norte o motorista opera mais de um veículo por dia. Nos Estados Unidos (2000) e Canadá (2000) normalmente programa-se a operação de dois veículos diferentes por motorista. No Reino Unido (2000), de dois a três. Em Viena (1993), o motorista dirige normalmente de três a quatro veículos diferentes por dia. Do ponto de vista do custo de operadores a vantagem pode ser muito grande, pois isso aumenta a flexibilidade das programações, podendo-se obter soluções de menor custo. Ganhos significativos em frota ou mesmo pessoal puderam ser obtidos em Porto Alegre e de Niterói ao adotar esse tipo de flexibilização.

Possibilidades de ganhos

Concluímos que quanto mais flexível for a jornada de trabalho, relativamente às durações das partes (primeira e segunda) e da intrajornada, maiores são as possibilidades de redução de custo, devido ao maior número de combinações possíveis entre as viagens formando a programação diária do veículo e dos tripulantes.


Conclusões

  • As jornadas de dupla-pegada e parcial (“part- time”) são recursos amplamente utilizados e aceitos nos acordos trabalhistas devido às características inerentes ao transporte urbano, com seus momentos de picos e vales de demanda.
  • O descanso não remunerado no meio da jornada, com períodos longos, é amplamente aceito nos acordos, com impacto altamente positivo sobre os custos.
  • Pode haver mais que um descanso por jornada. Isso, porém, é altamente indesejável do ponto de vista da atividade de programação horária por trazer fortes dificuldades na sua elaboração.
  • Outro recurso muito utilizado é a compensação de horas-extras entre dias da semana, entre semanas do mesmo mês ou entre meses do ano, com fortes ganhos sobre os custos.
  • As limitações de duração das partes trabalhadas variam e não existe uma regra geral.
  • Por fim, adota-se com frequência limitações de quantidade de jornadas por tipo, como uma maneira de viabilizar sua aceitação na negociação sindical.



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